quarta-feira, 22 de maio de 2013

Lisboa Irregular II

Avenida

Numa cidade bela, que se quer justa, existe uma avenida, boulevard. Entre praças, mil metros de passeio público. Liberdade.

Os escritores serenos, marcados em pedra, árvores, jardim e passeios largos decorados.

As esplanadas que germinam em volta dos quiosques estão cheias, em plena tarde de Maio.  No ar circulam idiomas mil, falados por gente carregando malas, máquinas fotográficas, vestindo calção-ténis, peles pálidas ansiando o sol. Ao fundo da Avenida, já praça, os turistas aguardam em fila a entrada para o ascensor. 

A cigana que vende carteiras, imagens de santinhos benzidos, emboscando quem passa, lendo a sina.

O caos das obras numa cidade em constante desconstrução em que as fachadas trabalhadas, quase orgânicas, dos antigos prédios dão lugar a edifícios de arquitectura nórdica muito pouco consciente da ’emocionalidade’ que habita os países mais a sul do continente.
O  trânsito confuso de quem tenta encontrar rumo entre o labirinto das fachas paralelas que sobem e descem ou que descem e já não sobem…

Se a Avenida era espaço imaculado para a santa imagem de fachada da cidade perfeita que se queria de turismo e sol, agora vai sendo conquistada pela pobreza já não tão envergonhada.
Aumentam o número de sem-abrigo que arrumando carros, pedindo de mão estendida travam lutas de subsistência diária. Sustento de fome. E são muitos.
Estão lá para quem se detêm e vê para além de si, para além do arvoredo e da luminosidade do postal ilustrado.  Caixas de cartão arrumadas entre os prédios e as caleiras pluviais. Lado a lado da calçada levantada, em degraus de pedra, a bagagem de uma vida embrulhada em trouxa.

Numa cidade bela, que se quereria sempre justa, existe uma avenida onde os hotéis, o luxo descartável dos vuittons-pradas, os bancos especialistas na usura pecuniária, coabitam com os pedintes. Entre as montras das grandes marcas internacionais e as lojas falidas, do outro lado da rua, no vão das portas fechadas, crescem casas portáteis, de cartão e trapo.

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