quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Lisboa Irregular III

Esta cidade não é para velhos nem para novos.

Está a morrer a rua que olha o Tejo lá em baixo. Os barcos, a estação e mais perto a escola.
A mercearia fechou, a farmácia fechou. Fechou a mecânica, a engomadoria, o dentista.
A padaria com pão crocante fechou. O estofador e as suas cadeirinhas de quarto, século XVI, fechou.
A solidão empurra os velhos para as janelas, como gatos. Já não vêm passear os cães. São prisioneiros dos prédios de quatro andares sem elevador, prisioneiros das escadas que as pernas já não sobem. Dona Margarida já não me espera por dentro dos vidros para a levar ao café. Para além da primeira vez que explicou ter medo de cair pouco falou mas ali estava todos os dias aguardando. No seu lugar está um letreiro a dizer vende-se, exemplo igual a tantos outros em outras tantas ruas.
Um interminável ruído de obras percorre o prédio inteiro.
O calor de Agosto faz forno das casas e à noite nas mesas e bancos plantadas na calçada reúne-se um pequeno grupo de jovens, fim do dia de desemprego ou pouco emprego em biscates.
O café, resistente ao fecho, por vontade férrea de uma mulher que não desiste.
Mário já não toca guitarra na varanda depois do trabalho, emigrou, abraçando o norte. Lu imigrou, foi conhecer o país que a viu nascer mas que ela não recorda de alguma vez ter visto. A mesma língua, um continente diferente. Uma vida diferente.
Zé + Isa já não juram amor eterno cravando os seus nomes na velha árvore que de ramos teimosos invade as janelas espreitando a vida para lá das cortinas.
Morreu Moisés "el chato" gato vadio de muitas vidas que controlava tudo do topo do parapeito do r/c direito, que conquistou mas onde não morava. Fazia da rua a sua coutada, a sua reserva privada da caça aos pombos, antigos donos das penas que cuspia ao fim do dia.
E tantos outros, novos e velhos que a rua já não vê, percorrem agora outros caminhos, que os levam para longe da cidade.
E a rua soube, vista daqui, desce em direcção ao rio.
Rua de idade jovem comparada com as paralelas de calçada de basalto que datam mais de duzentos anos. Aqui não há turistas esses ficam pelas praças centrais, baixa, belém, bairro e a cidade é a cidade igual há muito tempo mas vazia de gente. Já não há bandos de miúdos nas noites de calor jogando às escondidas e mães há janela.
Cidade antiga, tão bela, tão única para todos os que nela nasceram e mais ainda para aqueles (quase todos, muitos) que viram nela destino de esperança, vindos de todos os pontos do país procurando melhores dias. E foi crescendo.
A luz maravilhosa que banha o casario, as ruas, o rio, nesta altura do ano torna o Tejo espelho de sol que cega os olhos mas não tolda a visão triste da cidade que se quer de todos mas não é de ninguém.

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