Uma viagem de autocarro de 20 minutos, pode ser o tempo suficiente ou necessário...
Bancos de 4. Senta-se à minha frente. Mulher, 50 anos? Mais? Pousa os sacos entre os nossos pés.
Começa por mencionar o calor. Esboço um sorriso. Olho pela janela. Mas insiste. Devagar vai falando.
Se escutar ajuda. Escuto.
Fala da vida. Da filha que está na universidade a estudar para veterinária, “para tratar dos animais", que tem sido difícil “Mas lá temos conseguido” .
Do marido, funcionário publico. Da pequena fábrica de candeeiros onde trabalha “A montar coisas muito bonitas. Tudo feito por nós"...
Está preocupada, o trabalho tem sido pouco. Restam-lhe ainda dias para gozar mas tem medo de "ir de férias".
Saio antes dela, não sei para onde vai. Desejo àquela mulher, que não conheço, mas que é minha igual, que tudo corra bem (por não saber o que dizer)...
O calor traz o delírio pela frente. O desejo de férias, o descanso merecido.
A ânsia da sombra, do verde, azul-mar.
Escravo que, sendo dono de si, se vê preso à necessidade de sobrevivência.
O vil, escasso, suado, metal que governa, contando tostões.
Paga em fel o que semeia, para que outros colham, frutos que a vida lhe rouba.
Mar, sol, férias? Não são para quem trabalha, não vá voltar para portas fechadas...
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